Os 10 maiores revolucionários de todos os tempos
Especialistas elegem os homens que mudaram os rumos da humanidade: ofereceram novos modelos para a humanidade em dez campos do conhecimento
TEXTO Fabio Marton | ILUSTRAÇÕES Hafaell | 02/12/2014 14h05
Algumas pessoas vêm ao mundo para tirar tudo do lugar. Gente como Albert Einstein, que deitou por terra tudo o que era tido pela base mais sólida da ciência por quase 200 anos – e que, sem querer, mudou a geopolítica mundial. Ou Ernesto Che Guevara, o argentino que falou nas Nações Unidas apontando o dedo aos Estados Unidos, um Davi latino-americano enfrentando o Golias que faz sombra a todo o continente. Alguns deixam em seu rastro a beleza e a precisão: Leonardo da Vinci, um dos maiores gênios da História, e não apenas nas artes, que aplicou a ciência à pintura para fazer do quadro uma janela cristalina, por vezes mais real que a realidade. Outros são adeptos da destruição: Napoleão Bonaparte, que empurrou com canhões as reformas do liberalismo exaltado da Revolução Francesa, princípios os quais ele próprio havia traído.
AVENTURAS NA HISTÓRIA pediu ajuda a um time de mais de 50 especialistas para escolher os maiores revolucionários de todos os tempos, em suas áreas de atuação. Surgiram surpresas, como Alberto Santos Dumont. O brasileiro tido por muitos como “o pai da aviação” foi eleito na categoria inventor. Outros nomes gigantescos, antes escolhidos por historiadores, voltam a estas páginas, porque são inevitáveis: Jesus Cristo e o próprio Einstein, para ficar em dois exemplos. Nas páginas a seguir, aqueles que mudaram o mundo – ou, ao menos, a parte dele ao qual se dedicaram – decisivamente.
JESUS CRISTO | Religião
A opção pela paz e pelos pobres era subversiva
| O QUE FEZ |
Quem: Jesus de Nazaré
Nascimento: cerca de 7-4 a.C., Judeia, província do Império Romano Morte: cerca de 30-36, Judeia |
| O que revolucionou: a religião, fundando uma nova vertente do monoteísmo, baseada no culto ao amor; a forma de pensar ocidental, dando início a tendências igualitárias e pacifistas – e toda a civilização ocidental, quando a nova religião foi universalizada |
| Votos: 5 Também citados: Martin Luther King Jr., João 23, Madre Teresa de Calcutá, Maomé, Martinho Lutero |
Não faltavam candidatos a revolucionário na Judeia do século 1. A palavra “messias” tinha um sentido diferente da conotação mística que os cristãos aprenderam a associar a ela. O messias seria quem, por métodos certamente violentos, expulsaria os romanos e restituiria a independência a Israel. Nesse sentido, Jesus não podia ser contado entre eles. Toda a tragédia de origem do cristianismo depende do fato de Jesus não ser revolucionário, mas um inocente condenado à morte na cruz.
Jesus nasceu num mundo dominado por uma potência escravocrata, guiada por ideias de glória expansionista. Na Judeia, onde se cultuava o Deus único, predominavam os sentimentos de profundo rancor e vingança contra os romanos, e o ódio fratricida aos judeus que se aproximavam dos dominadores. Foi nesse contexto que surgiu aquele homem dizendo aos judeus que deveriam oferecer a outra face quando agredidos por um centurião. Ou para “dar a César o que é de César”. Ou “meu reino não é deste mundo” – o prometido messias não vinha trazer mudança política. Era uma mensagem de paz radical, e subversiva aos valores da época, tanto dos judeus quanto dos romanos. Também era um profeta dos pobres, que afirmou que é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha que um rico entrar no reino dos céus.
Não há registro de Jesus enquanto viveu. Ainda hoje, as fontes sobre sua vida são os Evangelhos. Então não se sabe se foi morto porque alguém percebeu o potencial subversivo de suas palavras. O fato é que, após sua morte, a religião foi perseguida e manteve-se nas camadas mais baixas da população, seguida por escravos e soldados de baixa patente, por quase três séculos. Até que, no que é considerado um milagre pela Igreja Católica, o imperador Constantino se converteu, em 312, durante uma batalha. Em uma geração, o cristianismo saltou de minoria perseguida para maioria, e logo seria transformado em perseguidor.
Mesmo com o cristianismo “oficializado”, o espírito subversivo se manteve latente. A abolição da escravidão, a liberação feminina, a assistência aos necessitados, o voto universal: ideias alienígenas ao pensamento da Antiguidade Clássica. E que, de certa forma, podem ter sua certidão de nascimento atestada na Judeia do século 1, com um humilde profeta que tratava prostitutas e leprosos da mesma forma que seus mais fiéis discípulos.
O escritor Frei Betto nota essa contradição. Afirma que seu voto em Jesus foi “não por ter fundado uma religião, e sim por ter proposto um modelo civilizatório baseado na relação amorosa e na partilha dos bens”.
SANTOS DUMONT | Invenção
Figura central no nascimento da aviação
| O QUE FEZ |
Quem: Alberto Santos Dumont
Nascimento: 1873, Palmira Morte: 1932, Guarujá |
| O que revolucionou: pioneiro da aviação e do copyleft. Criou o primeiro avião produzido em série, e que deu início à carreira de diversos aviadores. Com isso, a aviação na Europa tem mais a ver com ele e menos com os irmãos Wright |
| Votos: 5 Também citados: Alexander Graham Bell, Leonardo da Vinci, Thomas Edison, Steve Jobs, Bartolomeu de Gusmão |
O artista plástico Guto Lacaz menciona Dumont como aquele que “conquistou o voo controlado com os mais leves e com os mais pesados que o ar”. E o engenheiro Luiz Rocha fala dele como o “inventor do melhor meio de transporte do mundo, o avião”. Dumont, no Brasil, simplesmente “inventou o avião”. Sem fugir da polêmica, a história é um pouco mais complicada que isso. A relevância do brasileiro não está na primazia. Ele não foi o primeiro a apresentar um avião funcional, o que é a razão por que os norte-americanos irmãos Wright são considerados os inventores no resto do mundo.
Em agosto de 1908, os Wright se apresentaram em Le Mans, na França. Os franceses ficaram boquiabertos. O Flyer era o primeiro avião prático do mundo, capaz de voo controlado, dando voltas, subindo e descendo. Não era um protótipo que andava em linha reta, a distância era medida em quilômetros, não metros, e o voo em minutos, até horas, não segundos. O avião já era uma realidade.
A razão do segredo dos norte-americanos é o medo que tinham que alguém roubasse seu invento. Eles haviam passado dois anos sem voar para assegurar suas patentes. Tudo no Flyer era patenteado. A ideia era ter o monopólio da indústria de aviação. Quem quisesse um avião, teria de comprar deles.
E aí que entra a contribuição de Dumont – e a sua generosidade. Ele, que não foi ver as apresentações dos irmãos Wright, continuou a trabalhar no Demoiselle, que se tornaria o segundo avião funcional, mais rápido que o Flyer, e primeiro a ser produzido em série. Diferente do modelo norte-americano, tudo no Demoiselle era aberto – o inventor brasileiro não apenas não patenteava nada, mas incentivava as pessoas a copiarem livremente. Mais de cem deles foram produzidos, e neles pioneiros da aviação, como o francês Roland Garros, fizeram seus primeiros voos. Certos conceitos do Demoiselle, como o trem de pouso em triciclo e a “cauda”, os controles aerodinâmicos em posição traseira, se tornariam universais.
ALEXANDER FLEMING | Medicina
Os antibióticos mudaram a medicina e a vida
| O QUE FEZ |
Quem: Alexander Fleming
Nascimento: 1881, Darvel, Escócia Morte: 1955, Londres, Inglaterra |
| O que revolucionou: a medicina, ao criar o primeiro antibiótico, tornando possível tratar doenças bacterianas que antes não tinham cura. E, indiretamente, os costumes, pois várias dessas doenças são sexualmente transmissíveis e deixaram de assustar |
| Votos: 4 Também citados: Andreas Versalius, Louis Pasteur, Rosalind Franklin, Galeno, Hipócrates |
Fleming tornou-se um revolucionário por acidente. “A sorte desempenhou um grande papel na vida de Fleming”, afirma Kevin Brown, historiador e arquivista do Museu do Laboratório Alexander Fleming, em Londres. Em 1928, o biólogo escocês, já beirando os 50 anos, estudava uma cultura de estafilococos, bactérias geralmente inofensivas, em seu bagunçado laboratório no Hospital St. Mary, parte da Universidade de Londres. Era, de acordo com Brown, um cientista do século 19 em pleno século 20, trabalhando sozinho e livre para estudar como quisesse: “Seu laboratório era extremamente primitivo”. Em vez de arrumar tudo para evitar contaminações, Fleming empilhava as placas numa bancada em um canto do laboratório, e notou que uma delas apareceu mofada. “Engraçado”, comentou. Em vez de jogar fora o exemplo contaminado, como se faria em um laboratório profissional, resolveu estudá-lo mais atentamente. Notou que o mofo estava matando as bactérias.
O mofo era o Penicillium chrysogenum, que aparece em comida estragada. É parente de fungos usados há séculos para fazer salames e queijos azuis – a ação bactericida também serve para preservar comida. Fleming descobriu que o truque funcionava com bactérias perigosas, isolou a substância com que o fungo estava liquidando os microrganismos e a chamou de penicilina. Mas não acreditou que ela pudesse ter utilidade prática, porque não pensou como poderia ser criada em nível industrial.
Foi apenas no início dos anos 1940, com o trabalho de outros cientistas – em laboratórios organizados –, que a droga tornou-se viável. Sua estreia foi na Segunda Guerra, quando salvou a vida de soldados e civis atingidos por armas inimigas, que poderiam ter sucumbido a infecções. Desde o surgimento dos antibióticos, vários horrores que assombraram a humanidade ficaram para os livros de História. Lepra e tuberculose, cujo “tratamento” era isolar o paciente em sanatórios, passaram a ter cura. Pneumonia deixou de ser o caminho do hospital ao necrotério. Coqueluche, difteria e meningite pararam de matar crianças. E doenças sexualmente transmissíveis, como gonorreia, sífilis e cancro, passaram a ser assunto de piada em mesas de bar.
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