quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Os 10 maiores revolucionários de todos os tempos

Os 10 maiores revolucionários de todos os tempos

Especialistas elegem os homens que mudaram os rumos da humanidade: ofereceram novos modelos para a humanidade em dez campos do conhecimento

TEXTO Fabio Marton | ILUSTRAÇÕES Hafaell | 02/12/2014 14h05
Algumas pessoas vêm ao mundo para tirar tudo do lugar. Gente como Albert Einstein, que deitou por terra tudo o que era tido pela base mais sólida da ciência por quase 200 anos – e que, sem querer, mudou a geopolítica mundial. Ou Ernesto Che Guevara, o argentino que falou nas Nações Unidas apontando o dedo aos Estados Unidos, um Davi latino-americano enfrentando o Golias que faz sombra a todo o continente. Alguns deixam em seu rastro a beleza e a precisão: Leonardo da Vinci, um dos maiores gênios da História, e não apenas nas artes, que aplicou a ciência à pintura para fazer do quadro uma janela cristalina, por vezes mais real que a realidade. Outros são adeptos da destruição: Napoleão Bonaparte, que empurrou com canhões as reformas do liberalismo exaltado da Revolução Francesa, princípios os quais ele próprio havia traído.
AVENTURAS NA HISTÓRIA pediu ajuda a um time de mais de 50 especialistas para escolher os maiores revolucionários de todos os tempos, em suas áreas de atuação. Surgiram surpresas, como Alberto Santos Dumont. O brasileiro tido por muitos como “o pai da aviação” foi eleito na categoria inventor. Outros nomes gigantescos, antes escolhidos por historiadores, voltam a estas páginas, porque são inevitáveis: Jesus Cristo e o próprio Einstein, para ficar em dois exemplos. Nas páginas a seguir, aqueles que mudaram o mundo – ou, ao menos, a parte dele ao qual se dedicaram – decisivamente.
JESUS CRISTO | Religião
A opção pela paz e pelos pobres era subversiva
O QUE FEZ
Quem: Jesus de Nazaré
Nascimento: cerca de 7-4 a.C., Judeia, província do Império Romano
Morte: cerca de 30-36, Judeia
O que revolucionou: a religião, fundando uma nova vertente do monoteísmo, baseada no culto ao amor; a forma de pensar ocidental, dando início a tendências igualitárias e pacifistas – e toda a civilização ocidental, quando a nova religião foi universalizada
Votos: 5
Também citados: Martin Luther King Jr., João 23, Madre Teresa de Calcutá, Maomé, Martinho Lutero
     Não faltavam candidatos a revolucionário na Judeia do século 1. A palavra “messias” tinha um sentido diferente da conotação mística que os cristãos aprenderam a associar a ela. O messias seria quem, por métodos certamente violentos, expulsaria os romanos e restituiria a independência a Israel. Nesse sentido, Jesus não podia ser contado entre eles. Toda a tragédia de origem do cristianismo depende do fato de Jesus não ser revolucionário, mas um inocente condenado à morte na cruz.
Jesus nasceu num mundo dominado por uma potência escravocrata, guiada por ideias de glória expansionista. Na Judeia, onde se cultuava o Deus único, predominavam os sentimentos de profundo rancor e vingança contra os romanos, e o ódio fratricida aos judeus que se aproximavam dos dominadores. Foi nesse contexto que surgiu aquele homem dizendo aos judeus que deveriam oferecer a outra face quando agredidos por um centurião. Ou para “dar a César o que é de César”. Ou “meu reino não é deste mundo” – o prometido messias não vinha trazer mudança política. Era uma mensagem de paz radical, e subversiva aos valores da época, tanto dos judeus quanto dos romanos. Também era um profeta dos pobres, que afirmou que é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha que um rico entrar no reino dos céus.
Não há registro de Jesus enquanto viveu. Ainda hoje, as fontes sobre sua vida são os Evangelhos. Então não se sabe se foi morto porque alguém percebeu o potencial subversivo de suas palavras. O fato é que, após sua morte, a religião foi perseguida e manteve-se nas camadas mais baixas da população, seguida por escravos e soldados de baixa patente, por quase três séculos. Até que, no que é considerado um milagre pela Igreja Católica, o imperador Constantino se converteu, em 312, durante uma batalha. Em uma geração, o cristianismo saltou de minoria perseguida para maioria, e logo seria transformado em perseguidor.
Mesmo com o cristianismo “oficializado”, o espírito subversivo se manteve latente. A abolição da escravidão, a liberação feminina, a assistência aos necessitados, o voto universal: ideias alienígenas ao pensamento da Antiguidade Clássica. E que, de certa forma, podem ter sua certidão de nascimento atestada na Judeia do século 1, com um humilde profeta que tratava prostitutas e leprosos da mesma forma que seus mais fiéis discípulos.
O escritor Frei Betto nota essa contradição. Afirma que seu voto em Jesus foi “não por ter fundado uma religião, e sim por ter proposto um modelo civilizatório baseado na relação amorosa e na partilha dos bens”. 

                                                                       
SANTOS DUMONT | Invenção
Figura central no nascimento da aviação
O QUE FEZ
Quem: Alberto Santos Dumont
Nascimento: 1873, Palmira
Morte: 1932, Guarujá
O que revolucionou: pioneiro da aviação e do copyleft. Criou o primeiro avião produzido em série, e que deu início à carreira de diversos aviadores. Com isso, a aviação na Europa tem mais a ver com ele e menos com os irmãos Wright
Votos: 5
Também citados: Alexander Graham Bell, Leonardo da Vinci, Thomas Edison, Steve Jobs, Bartolomeu de Gusmão
Numa lista com Alexander Graham Bell, James Watt e Thomas Edison, pode parecer patriotada que a eleição para o maior revolucionário entre os inventores tenha escolhido o mineiro Alberto Santos Dumont. Vale lembrar que Dumont personifica a imagem ideal que o Brasil quer para si: um país civilizado, que oferece contribuições cruciais para o mundo, com extrema generosidade.
O artista plástico Guto Lacaz menciona Dumont como aquele que “conquistou o voo controlado com os mais leves e com os mais pesados que o ar”. E o engenheiro Luiz Rocha fala dele como o “inventor do melhor meio de transporte do mundo, o avião”. Dumont, no Brasil, simplesmente “inventou o avião”. Sem fugir da polêmica, a história é um pouco mais complicada que isso. A relevância do brasileiro não está na primazia. Ele não foi o primeiro a apresentar um avião funcional, o que é a razão por que os norte-americanos irmãos Wright são considerados os inventores no resto do mundo.
Em agosto de 1908, os Wright se apresentaram em Le Mans, na França. Os franceses ficaram boquiabertos. O Flyer era o primeiro avião prático do mundo, capaz de voo controlado, dando voltas, subindo e descendo. Não era um protótipo que andava em linha reta, a distância era medida em quilômetros, não metros, e o voo em minutos, até horas, não segundos. O avião já era uma realidade.
A razão do segredo dos norte-americanos é o medo que tinham que alguém roubasse seu invento. Eles haviam passado dois anos sem voar para assegurar suas patentes. Tudo no Flyer era patenteado. A ideia era ter o monopólio da indústria de aviação. Quem quisesse um avião, teria de comprar deles.
E aí que entra a contribuição de Dumont – e a sua generosidade. Ele, que não foi ver as apresentações dos irmãos Wright, continuou a trabalhar no Demoiselle, que se tornaria o segundo avião funcional, mais rápido que o Flyer, e primeiro a ser produzido em série. Diferente do modelo norte-americano, tudo no Demoiselle era aberto – o inventor brasileiro não apenas não patenteava nada, mas incentivava as pessoas a copiarem livremente. Mais de cem deles foram produzidos, e neles pioneiros da aviação, como o francês Roland Garros, fizeram seus primeiros voos. Certos conceitos do Demoiselle, como o trem de pouso em triciclo e a “cauda”, os controles aerodinâmicos em posição traseira, se tornariam universais.
ALEXANDER FLEMING | Medicina
Os antibióticos mudaram a medicina e a vida
O QUE FEZ
Quem: Alexander Fleming
Nascimento: 1881, Darvel, Escócia
Morte: 1955, Londres, Inglaterra
O que revolucionou: a medicina, ao criar o primeiro antibiótico, tornando possível tratar doenças bacterianas que antes não tinham cura. E, indiretamente, os costumes, pois várias dessas doenças são sexualmente transmissíveis e deixaram de assustar
Votos: 4
Também citados: Andreas Versalius, Louis Pasteur, Rosalind Franklin, Galeno, Hipócrates

A revolução de Alexander Fleming é a que mais afeta o dia a dia de todo mundo. Fleming é o pai dos antibióticos, remédios capazes de destruir bactérias e que salvaram um número incontável de vidas. Boa parte delas de crianças, particularmente suscetíveis a doenças bacterianas. Até os anos 40, mesmo os países ricos tinham altas taxas de mortalidade infantil, com uma em cada 20 pessoas não chegando à idade adulta.
Fleming tornou-se um revolucionário por acidente. “A sorte desempenhou um grande papel na vida de Fleming”, afirma Kevin Brown, historiador e arquivista do Museu do Laboratório Alexander Fleming, em Londres. Em 1928, o biólogo escocês, já beirando os 50 anos, estudava uma cultura de estafilococos, bactérias geralmente inofensivas, em seu bagunçado laboratório no Hospital St. Mary, parte da Universidade de Londres. Era, de acordo com Brown, um cientista do século 19 em pleno século 20, trabalhando sozinho e livre para estudar como quisesse: “Seu laboratório era extremamente primitivo”. Em vez de arrumar tudo para evitar contaminações, Fleming empilhava as placas numa bancada em um canto do laboratório, e notou que uma delas apareceu mofada. “Engraçado”, comentou. Em vez de jogar fora o exemplo contaminado, como se faria em um laboratório profissional, resolveu estudá-lo mais atentamente. Notou que o mofo estava matando as bactérias.
O mofo era o Penicillium chrysogenum, que aparece em comida estragada. É parente de fungos usados há séculos para fazer salames e queijos azuis – a ação bactericida também serve para preservar comida. Fleming descobriu que o truque funcionava com bactérias perigosas, isolou a substância com que o fungo estava liquidando os microrganismos e a chamou de penicilina. Mas não acreditou que ela pudesse ter utilidade prática, porque não pensou como poderia ser criada em nível industrial.
Foi apenas no início dos anos 1940, com o trabalho de outros cientistas – em laboratórios organizados –, que a droga tornou-se viável. Sua estreia foi na Segunda Guerra, quando salvou a vida de soldados e civis atingidos por armas inimigas, que poderiam ter sucumbido a infecções. Desde o surgimento dos antibióticos, vários horrores que assombraram a humanidade ficaram para os livros de História. Lepra e tuberculose, cujo “tratamento” era isolar o paciente em sanatórios, passaram a ter cura. Pneumonia deixou de ser o caminho do hospital ao necrotério. Coqueluche, difteria e meningite pararam de matar crianças. E doenças sexualmente transmissíveis, como gonorreia, sífilis e cancro, passaram a ser assunto de piada em mesas de bar.

EM CONSTRUÇÃO....

Sociedades secretas no Brasil e o lado oculto do poder

Sociedades secretas no Brasil e o lado oculto do poder

Como organizações que existiam à margem da vida pública do Brasil ajudaram a moldar os destinos do país desde seu nascimento

TEXTO Paulo Rezzutti | 17/10/2014 15h55
Às vésperas da Independência do Brasil, dom Pedro I enviou de São Paulo uma carta ao seu amigo e ministro José Bonifácio. No final, cravou um pedido misterioso: “Recomende-me aos senhores nossos II e CC (...)”.
Essa simples frase, cheia de pontos em formatos estranhos, revela o contato estreito do então príncipe regente, a pouco tempo de virar o primeiro governante do Brasil independente, com duas sociedades secretas operantes durante o processo histórico que culminou no 7 de Setembro. Os três pontos, cada um no que seria um vértice de uma pirâmide, antecedidos por duas letras “i”, são ainda hoje utilizados por membros da Maçonaria e significam “irmãos”. Se essa primeira sociedade permanece conhecida no mundo inteiro, a seguinte, que se revela nas duas letras “c” seguidas por quatro pontos em forma de cruz, que significavam “camaradas”, foi uma ordem secreta 100% brasileira que teve vida efêmera. Tratava-se do “Apostolado da Nobre Ordem dos Cavaleiros da Santa Cruz, ou, simplesmente, Apostolado.
A Maçonaria e o Apostolado na independência
Dom Pedro foi iniciado na Maçonaria em 2 de agosto de 1822, adotando o nome de Guatimozin, o último imperador asteca que tentou resistir aos invasores espanhóis. Nesse período, a partir de 1821, com a campanha de emancipação política do Brasil, as lojas existentes começaram a ter um papel político mais vigoroso, embora já existissem registros de atividades maçônicas no Brasil desde o século 18. Em 1822, durante o processo da Independência, foi criado o Grande Oriente do Brasil, ou Brasiliano, conforme ata de 17 de junho, com o qual a Maçonaria brasileira libertou-se e tornou-se independente do Grande Oriente Lusitano.
Inspirado pelos ventos da Revolução Francesa, da independência da América do Norte e das Guerras Napoleônicas, que varreram por algum tempo da Europa o absolutismo, a Maçonaria brasileira tentava atrair o então príncipe regente. Se alguns elementos maçônicos sonhavam com a implantação da República no Brasil, a maioria achava que a independência definitiva de Portugal se daria de maneira menos traumática se contasse com a simpatia de dom Pedro, por isso buscou envolvê-lo na causa.
Foram os maçons, capitaneados por Joaquim Gonçalves Ledo e José Clemente Pereira, presidente do Senado da Câmara do Rio de Janeiro, que se movimentaram para dissuadir dom Pedro de cumprir as ordens das Cortes Portuguesas, que solicitaram o retorno dele à Europa em 1821. Inclinado a respeitar as diretrizes das Cortes, o príncipe regente foi convencido pelo movimento de Ledo e Pereira, que conseguiram a adesão de representantes de Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo e Bahia ao pedido para que não deixasse o Brasil, levando ao Dia do Fico, em 9 de janeiro de 1822. Em 13 de maio, a Maçonaria concedeu a dom Pedro o título de “Protetor e Defensor Perpétuo do Reino Unido do Brasil”, o qual o príncipe declinou parcialmente, aceitando apenas o de “Defensor Perpétuo”.
O Apostolado da Ordem dos Cavaleiros de Santa Cruz foi fundado por José Bonifácio em 1822, com o objetivo de defender a integridade do Brasil e lutar por sua independência. Porém o propósito primordial era combater o grupo de Gonçalves Ledo, que, se a princípio havia aceitado a monarquia constitucional como caminho rápido para a separação, acalentava o sonho republicano.
Tanto a Maçonaria como o Apostolado acabaram sendo, cada um a seu tempo, fechados por ordem de dom Pedro. Mas a influência das duas sociedades secretas no processo político da Independência é inegável. Das reuniões do Apostolado entre janeiro e março de 1823, como mostram as atas reunidas no Acervo Histórico do Museu Imperial, em Petrópolis, há debates de artigos que seriam apresentados ao projeto da Constituição do Império em setembro pelo deputado Antônio Carlos, irmão de Bonifácio.
O escritor Luiz Gonzaga da Rocha, presidente do Tribunal Distrital de Justiça do Grande Oriente do Distrito Federal e autor de A Bucha e Outras Reminiscências Maçônicas, afirma que as sociedades secretas perderam poder. “A Maçonaria exerce pouca ou quase nenhuma influência na sociedade brasileira”, diz. Segundo Rocha, isso ocorre devido ao baixo índice de inserção social e ao fato de a sociedade estar afastada do cenário político-econômico-social e das discussões das questões de interesse nacional.
A ação da Bucha
“É a polícia, ninguém se mexa!”, disse, triunfante, o subdelegado Armando Pamplona para um bando encapuzado. Eram os anos finais da Primeira Guerra, e Pamplona buscava espiões alemães. Certa noite, passando a altas horas pelo antigo prédio do Liceu de Artes e Ofícios em São Paulo, notou uma estranha movimentação. Diversos senhores com ar misterioso tomavam carros de luxo estacionados nas redondezas do edifício. Decidido, o subdelegado resolveu montar uma campana para descobrir do que se tratava.
A persistência deu resultado. Certa noite, por volta das 9 horas, vultos suspeitos se esgueiravam para dentro do edifício. Já passava das 10 horas quando o movimento terminou. O subdelegado chamou seus homens e invadiu o local. Pamplona deve ter achado esquisito aqueles homens trajando mantos e faixas bordadas. Uns traziam no peito uma âncora verde, símbolo da esperança, outros um coração vermelho, lembrando a caridade, alguns, a cruz azul da fé.
O subdelegado estava radiante com a perspectiva de ter “explodido” um ninho de perigosos espiões. Mas qual não foi sua surpresa quando os membros da assembleia, perplexos diante daquela invasão, começaram a tirar os capuzes. Armando reparou que os rostos eram familiares: ele conhecia pessoalmente alguns daqueles senhores, outros de vista, outros por fotos em jornais. Estavam no salão o governador do estado, Altino Arantes, diversos políticos paulistas, mineiros, cariocas e gaúchos, além de inúmeros professores das Faculdades de Direito, de Medicina e Politécnica, assim como o secretário de Segurança Pública, Elói Chaves, chefe de Pamplona. Invertendo a ação, Chaves deu ordem de prisão ao subdelegado e a seus homens.
Naquela mesma noite os policiais invasores foram juramentados e ameaçados severamente pelas altas personalidades ali reunidas. Assim terminou a grande noite do subdelegado Pamplona; em vez de uma batida e a prisão de espiões, a fama e a glória estampadas nos jornais matutinos, ele acabou se tornando, à força, membro juramentado da Bucha, a sociedade secreta que, para muitos, por quase cem anos ajudou a governar os destinos do Brasil.
Em 11 de agosto de 1827, o imperador dom Pedro I assinou a lei que criava os cursos jurídicos no Brasil. Ela previa a instalação de duas faculdades, uma em Recife e outra em São Paulo. A paulista foi a primeira a entrar em funcionamento. Instalada em parte do antigo Convento de São Francisco, as arcadas do velho claustro se tornaram sinônimo da recém-instalada academia. A lei de 11 de agosto também institucionalizou os Cursos Anexos, espécie de preparatório que capacitava os jovens a prestarem os exames de admissão à faculdade.
Júlio Frank
Nos Cursos Anexos, houve, entre tantos outros, dois importantes mestres estrangeiros de índole liberal: o professor de aritmética, o italiano Líbero Badaró, assassinado por suas ideias em 1830, e o alemão Johann Julius Gottfried Ludwig Frank, ou Júlio Frank, como era conhecido no Brasil. Frank, nascido em 1808, havia estudado na Universidade de Göttingen, mas não chegou a se formar. Teve que sair da cidade por causa de dívidas contraídas e veio parar no Brasil. Tentou se estabelecer no Rio de Janeiro, depois no interior de São Paulo, e por fim na capital.
Frank morreu de pneumonia em 1841 e, como não era católico, seu corpo teria de ser sepultado no Cemitério dos Aflitos, local que recolhia indigentes, criminosos mortos na forca e escravos. Um ultraje para o venerado mestre. Os estudantes, em revolta, resolveram enterrar seu professor na própria escola. Seu túmulo, em um dos pátios, é venerado pela tradição acadêmica da faculdade até hoje.
Inspirado nas Burschenschaften, ou Confrarias de Camaradas, instituições acadêmicas alemãs, Frank teria tido, durante uma reunião com o estudante Vicente Pires da Mota e o secretário de Governo da província de São Paulo, Pimenta Bueno, a ideia de criar uma associação similar na Academia de Direito. Segundo o escritor Luiz Gonzaga da Rocha, “a Bucha tinha por objetivo a filantropia e, ainda, ressaltar a função social do advogado no seio da sociedade paulistana e brasileira, por extensão”.
Controle
Os integrantes da Bucha, Bucha Paulista, ou B. P., como passaria a ser chamada a Burschenschaft da Academia de Direito de São Paulo, eram escolhidos pela sua inteligência e lisura de caráter. Na faculdade, a ordem era composta de Catecúmenos, Crentes e Doze Apóstolos; fora, por Chefes Supremos e Conselho dos Divinos. A estrutura da sociedade, com o passar dos anos, transcendeu os velhos muros da academia e passou a permear a política nacional, envolvendo a estrutura burocrática do Estado.
Os antigos alunos da São Francisco que pertenciam à Bucha e ocupavam posições nas diversas esferas do poder nacional acabaram favorecendo outros membros da organização na distribuição de cargos governamentais. O historiador Luis Fernando Messeder dos Santos, autor da dissertação de mestrado A Burschenschaft e a Formação da Classe Dirigente Brasileira na República Velha, afirma a respeito: “Percebe-se o fortalecimento da atuação da organização na década de 1870, quando alguns dos que iriam ocupar a ‘suprema magistratura’ do país durante a Primeira República estudaram na mesma turma”.
Durante o Império, entre os “bucheiros”, havia políticos, artistas e intelectuais destacados, como Castro Alves, Álvares de Azevedo, o Barão do Rio Branco, o Visconde de Ouro Preto, entre outros. Após a queda do Império, em 1889, foi instituída uma comissão, apelidada de Comissão dos Cinco, encarregada do anteprojeto da Constituição Republicana. Dos cinco membros da comissão, três eram conhecidos bucheiros: Saldanha Marinho, Américo Brasiliense e Santos Werneck.
Embora os ideais liberais levados para as Arcadas por Líbero Badaró e Júlio Frank tenham servido de norte para a criação da Bucha, inspirando seus membros a lutarem pelo abolicionismo e pela República, à medida que os ardores juvenis arrefeciam e seus integrantes passavam a pertencer ao establishment, alguns transformaram-se em conservadores, defendendo a monarquia e a escravidão.
Na República Velha, acredita-se, não havia ministro, juiz ou mesmo candidato à presidência da República que tomasse posse, ou fosse indicado, sem prévia deliberação do Conselho dos Divinos. A filantropia inicial, a ideia de ajuda mútua, acabou se corrompendo e desaguou no franco favorecimento para obtenção de cargos públicos. Segundo o professor Miguel Reale, em suas memórias: “Como toda sociedade secreta, [a Bucha] logo se degenerou em cadeia de privilégios, que começava na faculdade pela seleção dos catedráticos e terminava nos acordos ‘café com leite’ entre ex-alunos de São Paulo e Minas Gerais, sob a batuta do Senador [do Rio Grande do Sul] Pinheiro Machado, também diplomado pelas Arcadas, e que, sutilmente, preferia ser a eminência parda dos eventos republicanos”.
Conchavos
Nos primeiros 40 anos da República, do governo dos militares Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto à política do café com leite, bacharéis formados por uma das duas academias de Direito e membros da Bucha destacaram-se como ministros ou chefes do Executivo. Dos 14 presidentes eleitos da República Velha, oito eram da sociedade: Prudente de Morais, Campos Sales, Rodrigues Alves, Afonso Pena, Venceslau Brás, Artur Bernardes, Washington Luís e Júlio Prestes, que não chegou a ser empossado por causa da Revolução de 1930.
Quando a Bucha foi fundada, no início da década de 1830, também surgiu outra instituição, a Sociedade Filantrópica, que prestava ajuda a presos e órfãos. Desde então, a sociedade secreta da Faculdade de Direito sempre esteve ligada a um “braço” público. Na década de 1910, um deles, a Liga Nacionalista, aglutinou em sua direção membros da Faculdade de Medicina e da Escola Politécnica. Estas possuíam também suas próprias organizações estudantis: a Jungenschaft (União da Mocidade), na Medicina, fundada em 1913, e a Landmannschaft (sociedade das pessoas de um mesmo campo), na Politécnica, de 1895. O intercâmbio de alunos de Direito entre São Paulo e Recife acabou por ocasionar a criação de um braço da Bucha em Pernambuco, a sociedade Tugendbund (União e Virtude).
Com a Revolução de 1930, que pôs fim à República Velha, chegou ao poder Getúlio Vargas. Data daí o declínio da Bucha. Adhemar de Barros, interventor do estado de São Paulo, teria colocado as mãos em uma lista parcial de membros da Bucha no final dos anos 30 e se apressou a apresentála a Getúlio. Segundo o político Carlos Lacerda, o presidente leu atentamente a lista e a devolveu para Adhemar, dizendo: “Não se pode governar o Brasil sem essa gente, o senhor que entre para a Burschenschaft”.
“Forças ocultas”
Em 1931, quase cem anos após a criação da Bucha, foi fundada a Associação dos Antigos Alunos da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo pelo diplomata José Carlos de Macedo Soares. Segundo Afonso Arinos de Melo e Franco, Macedo Soares teria sido o último chefe daquela sociedade secreta, e a associação seria a sucessora final da Bucha.
Mas, e nos dias de hoje, a Bucha ainda existe? Segundo o historiador Pedro Brasil Bandecchi, em 1961, “Jânio Quadros teria se referido à Bucha quando falou de forças ocultas para justificar sua renúncia”. O atual presidente da Associação dos Antigos Alunos da Faculdade de Direito da USP, José Carlos Madia de Souza, afirma que, em 13 anos como presidente da entidade, jamais teve conhecimento da continuidade da existência ou da atuação da Bucha.
Já o jornalista e escritor Fernando Jorge, ex-aluno da São Francisco e antigo vice-presidente da Academia de Letras da faculdade, na década de 1950, é de opinião contrária: “Na minha época achava curioso o costume de alunos mais velhos se encontrarem ao redor do túmulo do Júlio Frank. Alguns diziam que era ritual da Bucha. Anos mais tarde, na década de 80, Bandecchi, numa conversa comigo e com o historiador Leonardo Arroyo, afirmou categoricamente que a Bucha ainda existia”.
Em 2006, a comunidade da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo foi surpreendida com cartazes nos corredores de suas unidades. Nele, uma certa sociedade E.S.P.A.R.T.A. anunciava a comemoração de seus 50 anos de existência.
A E.S.P.A.R.T.A., segundo rumores, seria um ramo da Burschenschaft e teria surgido em 1956. Diferentemente dos famosos guerreiros que morreram na Batalha das Termópilas defendendo sua terra da invasão persa, essa sociedade secreta era composta de menos que 300 membros. Por ano, supostamente seriam recrutados 20 alunos. Metade deles, indicados por membros antigos e que ficariam “em observação” por um ano. Cinco vagas seriam reservadas para pessoas que solicitassem sua entrada na sociedade. As demais era reservadas para filhos de antigos membros.
Nascida na Guerra Fria, o período histórico de 1945 a 1991 marcado por disputas estratégicas e conflitos indiretos entre Estados Unidos e a extinta União Soviética, a E.S.P.A.R.T.A. – sempre supostamente – contaria com um projeto de poder denominado Jano, nome do deus romano representado por duas ou mais faces, cada qual olhando para uma direção. Preparando-se para dois cenários mundiais distintos, um com o socialismo como vencedor e outro com o capitalismo, a sociedade teria formado duas elites para que seus interesses sobrevivessem em qualquer cenário.
Entre seus membros, estariam proeminentes figuras acadêmicas, como Perseu Abramo, Florestan Fernandes e Fernando Henrique Cardoso, os dois primeiros fundadores do PT, e o último, do PSDB. Juntos, esses partidos têm se mantido há 20 anos no poder. Seus políticos, em alguns momentos, uniram-se a uma causa comum, como quando o então líder sindical Lula apoiou a campanha política de FHC para o Senado, em 1978, chegando, até, a representá-lo em alguns comícios.